A história do velho, o menino e o burro

José Maurício Guimarães

Certamente todos vocês conhecem a história do velho, o menino e o burro ‒ um conto tradicional ‒ magistralmente contado por Monteiro Lobato no livro ‘Fábulas’ (Editora Brasiliense). Para não perder o fio da meada, fui buscar na minha estante o livro que ganhei em 1958 (sou velho prá burro!), páginas amarelecidas. Podem não acreditar, mas eu lia muitas páginas de Monteiro Lobato engalfinhado no alto do abacateiro lá de casa... saudade! Naquela época menino não caia de árvore e meus pais permitiam a arriscada aventura porque, na certa, queriam evitar a todo custo que eu crescesse transformado num analfabeto funcional.

Escolhi essa fábula por vários motivos: o primeiro deles é que, em se tratando de uma aventura envolvendo um velho, um menino e um burro, eu conheço bem essas três importantes fases da existência: já fui menino, hoje sou velho e muitos me tomam por burro. Segundo motivo: homenagear, mais uma vez, o Monteiro Lobato que ensinou três gerações de brasileiros a pensar, e hoje tem seu nome na lista negra do “politicamente correto”. Terceiro e último motivo: tenho percebido em meus irmãozinhos de fé, camaradas e amigos de tantas jornadas, uma eterna insatisfação com tudo e com todos: reclamam que a Maçonaria não vem a público dizer isso e aquilo... mas quando vem, censuram; reclamam que falta um núcleo de estudos e pesquisas... mas quando criamos uma Loja destinada a pesquisas e estudos, viram-nos as costas e fazem propaganda contra (acreditem se quiserem!); reclamam que maçom não lê, mas passam longe da biblioteca; e quando alguém se atreve a escrever um livro, ganha alguns desafetos (*). E por aí vai.
 

São os que se dizem “líderes”, os justos que vão mudar a sociedade, o país e o mundo... Merecem sim este plágio da canção popular:

“As vezes em certos momentos difíceis da vida, em que precisamos de uma palavra de força para encontrar a saída, nos vem a triste certeza de que estamos sozinhos e mal pagos! Vocês meus amigos sem fé, meus primos camaradas, sorrisos e abraços nas mesas de bar...”

Passemos à fábula:

Certo dia, pela manhã, o velho chamou o filho e disse: ‒ Vá pegar o burro no pasto e apronte-se para irmos à cidade. Quero vender o bicho.

O menino foi, e trouxe o burro. Escovou-o bem, a besta ficou lustrosa! e os dois partiram a pé, puxando o bicho pelo cabresto para que ele chegasse descansado e impressionar bem os compradores.

Logo no início do caminho, toparam com um vizinho que disse: ‒ Esta é boa! O burro andando vazio e o velho a pé!

O velho achou que o vizinho tinha razão e ordenou ao filho: ‒ Puxa o burro, meu filho! Eu vou montado.

Mas conseguir agradar o mundo é impossível, a não ser distribuindo cargos, diplomas e medalhas. Logo adiante, ao passar por um bando de lavadeiras ocupadíssimas em falar mal da vida dos outros, ouviram o comentário:

‒ Que absurdo! O velho marmanjão montado e a pobre criança a pé... pai malvado! Te esconjuro!

O velho rosnou e, sem contestar a lavadeira, mandou que o filho pulasse na garupa.

Andaram uns duzentos metros e lá adiante vinha o Zé Biriba dando risada! ‒ Que idiotas! Querem vender o bicho e montam os dois de uma vez! E prossegui rindo rrrssss, que nem um usuário de facebook.

‒ O Zé Biriba tem razão, ponderou o velho. E, manifestando-se pelo sinal de costume, ordenou: ‒ Não podemos judiar do animal, ou então nossa foto vai parar na internet!! Eu apeio e você, que é levezinho, vai montado.

Assim fizeram, até encontrarem um sujeito que tirou o chapéu de feltro e saudou o menino com irônico respeito:

‒ Bom dia, príncipe!, pois só príncipes andam assim de lacaio à rédea...

‒ Lacaio, eu?!, esbravejou o velho ‒ Que desaforo! Desce, meu filho, vamos carregar o burro nas costas! (**)

Nem assim ficaram livres de críticas e considerações finais. Grupos que passavam pela estranha cavalgada, davam vaias:

‒ Olha os três burros: dois de dois pés e um de quatro! Qual dos três é o mais burro?

‒ Sou eu, cambada! ‒ replicou o velho, arriando a carga ‒ Sou eu porque estou há uma hora fazendo o que manda minha consciência e me lascando sozinho!

E para arrematar, recitou o trecho de ‘Os Lusíadas’ de Camões que sabia de cor:

“Não mais, Musa, não mais que a Lira tenho

destemperada e a voz enrouquecida,

E não do canto, mas de ver que venho

cantar a gente surda e endurecida.

O favor com que mais se acende o engenho

não no dá a pátria, não, que está metida

no gosto da cobiça e na rudeza

duma austera, apagada e vil tristeza.” [OS LVSIADAS, Canto 10, Estr.145]


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(*) Esses desafetos são aqueles ilustres “poderosos” que telefonam para o autor do livro pedindo para incluir na história o nome deles mesmos ou dos prefeitos de suas cidades por terem colaborado com um leitão assado em data festiva.

(**) Carregar o piano nas costas é o esporte preferido daqueles que, além de terem força física e espiritual, sabem tocar muito bem.

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