O movimento Rosa+Cruz e a Maçonaria

Durante o século XVII as Lojas operativas, especialmente na Escócia, passaram a iniciar maçons especulativos, ou seja, os "não-pedreiros". Eram os chamados "maçons aceitos", na maioria homens da burguesia, escritores, livres-pensadores, assim como os presbiterianos perseguidos pelas forças que culminaram no "Solemn League and Covenant" de 1638. O intercâmbio entre pedreiros de profissão e esses primeiros especulativos foi inevitável: por um lado, os canteiros de obras forneciam locais indevassáveis para reuniões "secretas" daqueles perseguidos; por outro, as discussões sobre o renascimento das "Artes Liberais" da Idade Média ganharam força: o Trivium (Lógica, a Gramática e a Retórica que tinham como objetivo desenvolver as expressão da linguagem) e o Quadrivium (Aritmética, Música, Geometria e Astronomia) passaram a fazer parte do acervo, ainda que de modo incipiente, de conhecimentos dos operativos que antes eram obrigados a decorar os cânones da Arte.
 

Há quem veja – e com alguma razão – o Trivium e o Quadrivium representados no triângulo e no quadrado dos aventais maçônicos, reminiscência daquele período.

Aos poucos, os maçons aceitos passaram a predominar naquelas Lojas e ficaram conhecidos pelo nome "Rosa+Cruz", referência mítica (e mística) às viagens que alguns deles haviam empreendido ao Oriente – origem do símbolo – e do contato com os sábios islâmicos que lhes revelaram a ciência da harmonia universal, um dos livros de Aristóteles perdido ou proibido (o "Livro M"). O filósofo belga Émile Dantinne (1884-1969), ou Sar Hieronymus, como ficou conhecido, descreveu as origens da Rosa+Cruz nos países do Leste de onde os Templários trouxeram planos para uma "reforma universal" religiosa, filosófica, científica, política e artística. Na Europa, as bases desse movimento seriam necessariamente cristãs, no sentido mais estrito da palavra – pois os primeiros Rosa+Cruzes haviam empreendido uma viagem ao Santo Sepulcro (túmulo de Jesus Cristo), orientados por um certo Irmão P.A.L. que morrera em Chipre "sem ter visto Jerusalém".

A partir daí, e da íntima relação entre as questões políticas da época e o cerceamento imposto pelas igrejas "cristãs" à investigação da verdade, a Maçonaria prosperou.

Naquela época ainda pesava sobre os libertários a injusta sentença de morte sobre o último Grão-Mestre dos Templários, Jacques De Molay, o suposto desaparecimento da Ordem do Templo e o confisco dos seus bens. Afirmava-se que dois grupos de Templários haviam escapado à perseguição na França, indo um deles se refugiar na Escócia – dando origem à Maçonaria dos Antigos e Aceitos – enquanto o outro foi para as terras de Portugal, favorecendo, após o regresso do Infante D. Henrique de Ceuta, em 1418, a criação da Escola de Sagres, movimento fundamental para as grandes navegações.

Em ambos os casos, o movimento "Rosa+Cruz" manteve-se amalgamado e velado no pensamento europeu até que foi publicamente manifestado no início do século XVII. Foi na França que a repercussão do movimento "Rosa+Cruz" teve o maior impacto.

Numa manhã do outono de 1623, Paris acordou surpreendida por cartazes anunciando a chegada de uma enigmática irmandade. A tribuna escolhida não poderia ser melhor: a Pont Neuf, construída sobre o local onde, trezentos anos antes, Jacques de Molay fora queimado numa fogueira. A ponte era o lugar preferido dos artistas de rua e populares. Não houve quem não tomasse conhecimento do anúncio: "Nós, deputados do Colégio Principal dos Irmãos da "Rosa+Cruz", estamos, visíveis e invisíveis, sediados nesta cidade pela graça do Altíssimo, para o qual se voltam os corações dos justos. Ensinamos e demonstramos sem a necessidade de livros, falamos toda espécie de linguagem do país onde estamos, com o objetivo de tirar os homens, nossos semelhantes, do erro e da morte". E convidavam os interessados a juntarem-se à fraternidade, com a ressalva: "os que nos procurarem por mera curiosidade, jamais nos encontrarão... mas, se seu desejo  for autêntico, nós os encontraremos e nos faremos reconhecer".

Os analfabetos, que eram a maioria, contentaram-se com as explicações truncadas dos mais espertos: deputados de uma corporação... homens invisíveis... falar em línguas... vencer a morte... Ofertas tentadoras! Quem não desejava tornar-se invisível e bisbilhotar todos os recantos da cidade, entender todas as línguas e se tornar imortal? O sensacionalismo estava armado. Com mais uma pitada de enxofre, uma asa de morcego e uma perninha de rã, estaria pronta a receita para mandar incautos deputados, atores de rua e artistas para a fogueira.

Os manifestos da "Rosa+Cruz" estão repletos de enigmas e obscuro simbolismo cuja interpretação demanda conhecimento das condições históricas da época e de possíveis "chaves" só conhecidas pelos leitores aos quais esses textos se destinavam. Mas a visão do passado nos permite alcançar o futuro e descobrir o sentido dos manifestos da "Rosa+Cruz" para os dias de hoje. Antes de mais nada, é preciso compreender que os símbolos servem mais para velar do que para revelar alguma coisa; e que os autores dos manifestos usaram linguagens especiais porque desejavam exprimir um conhecimento inacessível ao entendimento vulgar. Porém, partindo de uma análise elementar, podemos identificar as seguintes "chaves": 1 - A lenda egípcia da peregrinação de Ísis e a ressurreição de Osíris; 2 - Elementos da Arte Real relativos à morte e reencontro de um mestre; 3 - O arquétipo da viagem representado nas "circumambulações iniciáticas"; 4 - O arquétipo do casamento sagrado ou hierosgamos; 5 - Princípios da restauração do cristianismo original inspirado na Reforma Protestante; 6 - O encontro do Ocidente com o conhecimento islâmico; 7 - Reminiscências da Ordem do Templo e o assassinato de seu último Grão-Mestre, Jacques de Molay.

O texto de um desses Manifestos – "Fama Fraternitatis Rosae+Crucis" – narrava história do "mais divino e altamente iluminado Pai, nosso Irmão C.RC., chefe e fundador de nossa Fraternidade..." nascido às margens do Reno. Aos 6 anos de idade C.RC. fora enviado para uma abadia onde aprendeu grego, latim, hebreu e magia. Aos 16, partiu em peregrinação para a Terra Santa em companhia de um amigo que morreu em Chipre (o já citado Irmão P.A.L.). Permaneceu em Damasco recebendo ensinamentos de sábios que lhe confiaram a missão de comunicá-los à cristandade e fundar uma sociedade secreta. Foi sucessivamente conduzido a uma "cidade filosófica", onde passou três anos (importante alusão iniciática). Percorreu o Líbano, a Síria, Egito, Damcar, Fez (cidade do Marrocos) e visitou o Santo Sepulcro. Cumpriu cinco anos de retiro (outra alusão iniciática) num local solitário e regressou à Europa através da Espanha. Depois, recrutou seguidores e batizou a sede da irmandade como "Domus Sancti Spiriti" (Templo do Espírito Santo) onde curavam doentes e consolavam os desesperados.  

Essas viagens indicam a provável reorganização da Ordem do Templo (os Cavaleiros de Cristo e outras ordens militares da Idade Média) após a extinção da "Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão" em 1312. Há vários indícios que se ajustam à dramática história da "Ordre du Temple", dos quais citaremos alguns: o Irmão C.RC. morreu na Inglaterra aos 106 anos (portanto, em 1484 se considerada a data de seu "nascimento" em 1378 conforme os Manifestos). Alguns anos mais tarde – 1604, vésperas da publicação dos manifestos – seu sucessor, o Imperator N.N., descobriu o túmulo do Pai C.RC. numa edificação de sete lados (mais uma alusão numérica), constantemente iluminada por lâmpadas inextinguíveis. Na parede que obstruía a entrada estava escrito: "post 120 annos patebo" (após 120 anos serei encontrado). No centro da construção havia um altar cilíndrico com a inscrição: "A C.RC. hoc universi compendium unius mih sepulcrum feci" (a Christian Rosencreutz, compêndio único do universo, fiz este túmulo). Em volta de um primeiro círculo, lia-se "Jesus mihi omnia" (Jesus é tudo para mim); no círculo do meio, quatro figuras com as inscrições: "Nequaquam Vaccum" (em parte alguma o vácuo); "Legis Jugum" (o jugo da lei); "Libertas Evangelii" (a liberdade do Evangelho); "Dei Gloria Intacta" (a Glória de Deus é inatacável) expressões cristãs, Templárias e da predileção reformista.

Aos cristãos da Rosa e da Cruz (em latim, Rosae Crucis) que detinham o único compêndio do universo, fora edificado aquele túmulo onde repousava o corpo mumificado do Pai C.RC. Tinha na mão direita o Liber T (Livro T); nas laterais uma Bíblia, um vocabulário, um itinerário de viagem e sua biografia. A letra T, ou tau grego, representa a verdade e a luz da mente. Corresponde à última letra do alfabeto hebraico (taw) mencionada pelo profeta Ezequiel (Capítulo IX: 4): "Passa pelo centro de Jerusalém e marca com um T as testas dos homens que suspiram e que gemem por causa das abominações que se cometem". Implicações maçônicas desta simbologia se completam no capítulo VII do livro de Amós: “Disse o Senhor: "Eis que vou passar um fio de prumo no meio do meu povo e não tornarei a perdoá-lo" – textos bíblicos aplicados à situação da Europa onde suspiros e gemidos aguardavam o alívio pelo "triplo tau" do conhecimento e pelo inexorável fio de prumo. Na tumba do Pai C.RC. lia-se a divisa cristã da fraternidade: "Ex Deo nascimur, in Jesu morimur, per spiritum reviviscimus" (em Deus nascemos, em Jesus morremos e ressuscitamos pelo Espírito). Algumas versões traziam um acréscimo intitulado Confessio Fraternitatis esclarecendo algumas passagens e revelando o nome completo do Pai C.RC. – Christian Rosencreutz. Reafirmava a existência de uma ciência capaz de reconduzir os homens ao plano original de Deus. Esse processo, representado pelo Casamento Alquímico (união e transformação) consistia numa jornada espiritual do Iniciado em busca da reintegração.

A descoberta de um "corpo" numa 'tumba', ou do corpo de uma pessoa conhecida como C.RC., é alegórica. A abertura do túmulo citado refere-se ao ressurgimento da sabedoria que estivera velada durante os períodos de perseguição. As iniciais C.RC. não se referiam a um indivíduo, e sim à "personalidade" espiritual representada pelo 'corpo' dos princípios rosacrucianos, não tendo existido ser humano algum que tivesse sido singular e exclusivamente conhecido como Christian Rosencreutz.

Christian Rosencreutz significa Christus Rosae+Crucis ou, literalmente, "Rosa Cruz de Cristo" – o que faz do rosacrucianismo um movimento autenticamente Cristão com referência a Jesus – tal como se apresenta, por exemplo, no Capítulo Rosa Cruz do Rito Escocês Antigo e Aceito – com tudo o que impliquem as palavras CHRISTOS = ungido, o Messias Filho de Deus ou CHRESTOS = virtuoso e bom.

Na Maçonaria do Rito Escocês Antigo e Aceito, o painel e o símbolo geral é de um pelicano com seus filhotes no ninho, rasgando o peito com o bico – alusão ao homem Jesus que se deixou dilacerar para que Seu Sangue alimentasse espiritualmente a humanidade. Abaixo dessa figura estão as iniciais I.N.R.I., "Iesus Nazarenus, Rex Iudaeorum" (Jesus Nazareno Rei dos Judeus), expressão com que Pilatos tentou debochar do Messias, e que mais tarde os alquimistas interpretaram como "Igne Natura Renovatur Integra" (O Fogo Renova Toda a Natureza) – alusão ao batismo cristão, conforme a fala de João Batista no Evangelho de Mateus 3:11 - "Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas depois de mim vem alguém mais poderoso do que eu, tanto que não sou digno nem de levar suas sandálias; e Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo.")

Quanto aos enigmas e às supostas "chaves", voltemos a atenção para o fato de que Christian Rosencreutz "morreu" em 1478 na Inglaterra. Segundo o Fama, após 120 anos ele seria novamente encontrado ("post 120 annos patebo") ou seja, em 1598 na Inglaterra. Façamos as contas: Francis Bacon estava com 37 anos, quando se entregou com ardor ao trabalho intelectual redigindo os "Ensaios" à maneira dos manifestos: "oscilando por intermináveis metáforas entre política e filosofia".

Noutro Manifesto, "Les Noces Chymiques de Christian Rosencreutz" (Chymische Hochzeit Christiani Rosencreutz anno 1459 ou Núpcias Alquímicas de C.RC.) as bodas transcorrem em sete dias ou jornadas. No início da narrativa, Christian Rosencreutz é surpreendido por uma tempestade e o aparecimento de uma mulher vestida com manto azul salpicado de estrelas douradas. Ela trazia uma trombeta de ouro e um maço de cartas escritas em todas as línguas do mundo. Identificamos nessa imagem a figura de Fama, pela primeira vez revelada no jogo de palavras – Fama+Fraternitatis: notícia da fraternidade e/ou fraternidade da (divindade) Fama, personagem mitológica da notícia e da reputação. Agitando asas repletas de olhos, a divindade convidou Christian Rosencreutz para as festas de nupciais de um rei. Rosencreutz ornamentou seu chapéu com quatro rosas e atravessou no peito uma faixa escarlate – alusões à rosa vermelha de Lancaster, rosa branca de York, e as duas rosas (rosa dupla) vermelha e branca de Tudor que uniu os dois emblemas.

Depois de várias peripécias, provas e perigos, Rosencreutz chegou ao portal de um castelo sobre o qual estava inscrito o versículo 38 do capítulo VI do Evangelho de Lucas: "Dai, e vos será dado". Rosencreutz misturou-se aos convidados e presenciou acontecimentos velados pelo simbolismo iniciático: a pesagem das virtudes no estilo do tribunal de Osíris; a premiação dos justos com o Velocino de Ouro dos gregos; a condenação dos injustos após beberem as taças da amargura e do esquecimento; juramentos de lealdade diante de um livro negro e a visão de um crânio que expulsava das órbitas uma serpente. Subitamente, surge um carrasco decapitando pessoas cujos corpos são estendidos em esquifes, alusão à lenda egípcia de Osíris.

 

 

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